Depois de longa espera, a banda norte-americana retorna ao país esbanjando técnica e carisma em um espetáculo que transformou o Espaço Unimed em uma casa de shows intimista e marcou o coração dos fãs.
Eram quase 21hrs da quarta-feira de 8 de Novembro que a ansiedade de mais de 12 anos de espera por um show solo do Alter Bridge bateu de uma vez. Sim, a banda de Hard Rock/Metal Alternativo composta por Myles Kennedy (The Mayfield Four, Slash) junto de Mark Tremonti, Brian Marshall e Scott Phillips, integrantes do Creed, fez sua estréia pelo país em 2017, tocando nos festivais São Paulo Trip e Rock In Rio, além de um show em que dividiram os palcos com o The Cure em Curitiba. Mas se assim como eu, você queria mesmo era um show completo deles e não pôde vê-los na Live Curitiba, então sua espera provavelmente também já passa dos seis anos.
Quase que como em uma experiência de quase-morte, vejo a vida passar diante de meus olhos durante os pouquíssimos minutos faltantes para o início do show, que começou pontualmente às 21hrs. Envolvido por uma maré de lembranças e sentimentos providos por essa banda que tem me acompanhado pelos momentos mais difíceis e incríveis de minha, até então, breve vida quando ouvi Blackbird pela primeira vez. Agora, mais de 12 anos depois do fatídico dia, a banda vem para um show único no Brasil, como parte da turnê sul-americana de divulgação do novo álbum Pawns & Kings.
É aqui que, como se fossem um desfibrilador, as primeiras notas de Silver Tongue me puxam de volta para a realidade.
Estou vivo.
Assim, o show começa em grande estilo. O single é uma faixa potente que marca um Alter Bridge mais direto e de volta às raízes nesse novo álbum, o que fica evidente pela empolgação do público que se mostra abraçado pela música nova, cantando seu refrão e os coros energeticamente.
A banda se mostra tecnicamente afiada e cautelosamente animada com a reação do público e, como em um trem a vapor lentamente pegando ritmo, a empolgação do quarteto com relação ao show e ao público se mostra exponencialmente crescente com as músicas que se seguiram: a pesada Addicted to Pain, do excelente álbum Fortress (2013), em que Mark Tremonti fez a platéia ir ao delírio com seu solo; e a tocante Ghost of Days Gone By do sombrio e intimista AB III (2010). Essa última, completamente tomada pelas palmas ritmadas e as vozes do público, fazem a banda se abrir para o público no final de sua execução:
“Wow! What the fuck?! This is incredible! This, this is incredible! You are incredible, you´re fucking incredible!”
– Myles Kennedy
O frontman segue explicando agradecido sobre como a viagem foi longa, pegando aviões e trens para chegar até aqui e que o que o público deu a eles nesses últimos 20 minutos já fez valer tudo isso a pena. A partir daí o grupo começa mais uma do novo álbum, Sin After Sin, com a banda já se mostrando completamente em casa, seguindo logo após para a clássica Broken Wings.
Com o público dominando os refrões, Myles Kennedy, conhecido não só por sua voz potente e única, mas também por sua personalidade amável, não consegue esconder a felicidade e elogia a plateia diversas vezes durante a execução da música. Assim, esbanjando carisma, o Alter Bridge procede em dar um show impactante que faz o Espaço Unimed parecer um espaço intimista em que cada pequena interação de seus integrantes com a plateia demonstra como os músicos estão felizes com aquela noite.
Ainda na vibe de One Day Remains, Mark toma os vocais principais para executar Burn It Down. Aqui, Tremonti prova de vez que além de excelente guitarrista é também um ótimo cantor. Pra quem acompanha a carreira do músico, já sabe que o guitarrista é dono de uma ótima voz, mas ao executar essa faixa conhecida por como Myles solta sua voz, Tremonti impressiona a todos, incluindo o próprio frontman, que não esconde o orgulho de ver o companheiro atingindo as notas altas do final da música.
Com as luzes completamente focadas em Kennedy, o vocalista inicia um calmo solo de blues que descamba na introdução de Cry of Achilles, faixa que abre o álbum Fortress. O vocalista instiga a plateia, ensaiando as primeiras notas da música, que vai ganhando ritmo com as palmas do público até explodir no riff principal.
Aqui temos mais um dos vários momentos do show em que o público se torna um quinto membro da banda, seguindo a música com palmas ritmadas em sua parte mais calma e explodindo de cantar como um grande coro nos refrões.
Depois dessa agitação toda, entramos na parte mais calma do show, os outros membros saem de cena e os holofotes mais uma vez voltam a focar em Myles, que dessa vez está acompanhado apenas de seu violão. São nesses momentos de calmaria que o público sabe que é quando se pode ser mais ouvido e clamam pela banda e pelo nome do vocalista, enaltecendo o músico que se apresenta sozinho nesse momento. Isso obviamente não passa despercebido por Myles que continua incrédulo com a energia do público:
“You guys are the best! The fuckin’ best!”
– Myles Kennedy
Próximo de mim, um cara grita a plenos pulmões “Hey, Myles! I love youuuu!” tirando um sorriso do músico enquanto a plateia se misturava entre enaltecer o rapaz e rir daquele momento aleatório. Logo em seguida, ele completa com “You’re the fucking king!”, e é prontamente apoiado por todos à volta em urros de comemoração.
Pouco depois, o dedilhar suave de Myles no violão se emenda em notas familiares ao público, que as ouve se transformarem na introdução de “Watch Over You”. O músico performou a música com sensibilidade tal que mesmo em meio ao coro de vozes do Espaço Unimed lotado, era possível sentir como se a música estivesse sendo tocada diretamente para você e uma pequena roda de amigos.
Essa sensação vai perdurar pelas próximas músicas dessa sessão mais emotiva do show, que se segue com a chegada de Tremonti no violão, enquanto Myles Kennedy se foca apenas nos vocais de In Loving Memory.
Dedicada à falecida mãe do guitarrista, a tocante faixa é conhecida pela forma sensível e emotiva com que retrata nossos sentimentos para com aqueles que partiram, despertando as memórias boas e a impossibilidade de poder ter mais momentos com essas pessoas queridas, deixando apenas a saudade.
A música é cantada com grande sensibilidade pelo vocalista, que sabe o peso que ela tem e é lindamente combinada pelo público em alto coro, soltando todo coração durante sua performance. É uma música muito evocativa e é difícil não se emocionar nessa parte, com diversas pessoas cantando através das lágrimas. No meu caso, cantei pensando nos meus falecidos avós.
Largado o violão e com os outros músicos de volta ao pouco, a sessão emotiva do show então se fecha com chave de ouro quando, após um sereno solo de guitarra de Myles, Tremonti começa a tocar as primeiras notas de Blackbird. A música, que dá nome ao álbum de 2007, é dedicada a um falecido amigo de Myles, responsável por ter vendido a um jovem Kennedy sua primeira guitarra. Tendo se tornado amigos próximos. Em entrevistas, o vocalista conta que escreveu sobre a dor de perder alguém e, ao mesmo tempo, a esperança e conforto por saber que aquela pessoa querida não precisará mais sofrer.
A música de 8 minutos é um dos carros-chefes do Alter Bridge e, além de ser uma de suas músicas que mais carrego comigo, aqui ela foi maravilhosamente completada pelo show de luzes do palco que alternam suas cores a cada acorde do riff principal, realçam as partes pesadas da música e também a miríade de sentimentos que ela explora, explodindo em um forte azul nos refrões que são cantados em grande coro pelo público.
Definitivamente foi um dos pontos mais altos do show, mas o melhor ainda está por vir. Mais especificamente após a música Come to Life, que tocaram logo a seguir.
Veja bem, essa é uma baita música. Com uma pegada bem mais agitada e pra cima, a música pertencente ao álbum que cimentou de vez a base do que seria o som da banda — o Blackbird (2007) — reanimou os espíritos dos presentes depois dos quase 20 minutos de turbilhão emocional (não que seja uma crítica, inclusive faria de novo). A questão é que, em determinado momento, Myles notou uma fã à sua frente passando um bom tempo com o braço erguido, segurando a tela de seu celular virada para o vocalista.
A mensagem — Play Lover — passava continuamente no celular da fã.
Não sei por quanto tempo essa pessoa ficou com o braço erguido para transmitir essa mensagem, mas foi suficiente para fazer o vocalista chamar a atenção do público para essa fã e perguntar se ela não estava com o braço dolorido por ficar tanto tempo assim. Dito isso, Myles deixa claro que já fazem muitos anos que a banda não toca essa música, mas que ele tentaria lembrar o primeiro verso para tocar só para esta fã.
Lembra como eu disse que a banda fazia a gente se sentir em um show intimista? Acho que aqui esse é o exemplo máximo disso. A expectativa faz nós, os fãs, sempre torcermos por alguma surpresa nos shows que passam pelo nosso país. Mas a forma como aconteceu aqui, pegou todos desprevenidos neste momento. Principalmente quem pediu a música.
— This could be an absolute shitshow! — Alerta o frontman em bom humor.
A animação e antecipação da plateia eram claramente visíveis enquanto presenciávamos Myles arranhar a introdução da música na guitarra.
Conforme o músico vai lembrando a progressão das notas, as palmas da plateia se tornam na percussão da música, com o ritmo sendo ditado pelo chimbal do baterista Scott Phillips e o baixo de Brian Marshall sendo a liga unindo tudo.
A quarta faixa do álbum Fortress (2013), já começa com uma versão mais calma de seu refrão, que aqui é cantado por Myles em uníssono com o público. É assim que o músico se empolga e resolve tentar seguir com a música inteira, seguindo para o próximo verso e jogando para a plateia completar o que ele humoradamente demonstrava não lembrar, culminando no cômico — mas não menos emblemático — momento em que nenhum dos lados conseguia lembrar.
Durante essa performance inteira, Myles Kennedy esbanja todo seu carisma administrando esse bate-volta entre banda e plateia, como se estivéssemos montando juntos um antigo LEGO desenterrado por aquela fã (não tínhamos algumas das peças mas nos divertimos muito no processo do que construímos) culminando no explosivo refrão que segue até o final da música em que banda e público dão tudo de si juntos, caprichando na finalização da obra. Não foi perfeito, mas a beleza está justamente nos erros desse processo natural — criando uma versão de Lover que possuía um pouco de cada um ali presente — fazendo desta uma obra muito especial e o ponto mais alto de toda noite.
A banda então segue para tocar Pawns & Kings, primeiro single do novo álbum e que dá nome ao mesmo. Gosto muito dessa música, assim como o resto do álbum carrega um tom mais político e revolucionário — tópico que o grupo tem abordado com mais frequência desde The Last Hero (2016) — e sinto que estão muito melhores nas composições do álbum mais recente da banda, que parece mais madura em todos os aspectos.
Obviamente não teve o mesmo impacto do momento que acabamos de experienciar mas — assim como em qualquer obra que conte uma história — um show também tem uma narrativa, e depois de um clímax precisamos acalmar um pouco pra construir o grand finale.
Aqui, isso é feito começando por essa música, seguida por Isolation — outro grande clássico da banda — que levanta a bola, levando o público a cantá-la inteira em grande empolgação, e corta de modo certeiro com a bateria de Scott Phillips tocando a introdução de Metalingus, a música mais pesada de seu primeiro álbum.
É nessa música pesada que Myles abre espaço para mais uma vez rasgar elogios à plateia brasileira, enfatizando como todos foram incríveis, você nota a sinceridade e espontaneidade na voz do músico e acredito que esses sejam adjetivos que marcam bem o que é o Alter Bridge como banda.
Em mais uma demonstração dessa espontaneidade, Kennedy chama a atenção do público, pedindo para os aniversariantes do dia se manifestarem. Isso é algo que o vocalista sempre gosta de fazer e em todas as vezes o frontman faz parecer como se tivesse tido a ideia naquele momento. Isso porque apesar de ser algo costumeiro em seus shows, cada pessoa é diferente e gera interações únicas. Nesse caso, o primeiro a se manifestar, um jovem de 23 anos, se provou um desafio logo de cara para que o vocalista entendesse o nome do rapaz.
Entretanto, Myles continua insistindo apesar do volume alto de tudo redor e, quando o cantor está quase desistindo de entender, e o público ao redor do rapaz se junta em um coro exaltando o nome do fã para o vocalista. O plano dá certo e Myles agradece a ajuda que a plateia deu ao rapaz, assim podendo parabenizar “Gustavo” apropriadamente.
Isso se segue por mais alguns minutos, com Myles tentando entender o nome de mais fãs até resolver dar um “happy birthday” geral a todos e voltarem para a ponte da música que leva ao último refrão, fechando o show em uma explosão de riffs cavalares. O músico agradece mais uma vez antes de todos saírem do palco e você sente claramente que, se pudesse, ele ficaria a noite inteira parabenizando os aniversariantes do dia um a um.
Se o show acabasse aqui já seria perfeito, mas nós somos fãs e não queremos que esse dia acabe! Então obviamente começamos os coros chamando por “Alter Bridge!” e “mais um!” repetidamente. Não vou mentir, apesar de terem sido bem rápidos (eles mereciam poder tomar uma aguinha com mais calma, inclusive) esses poucos minutos me pareceram uma eternidade enquanto aguardava pelo famigerado BIS.
Até que Brian Marshall volta aos poucos carregando uma bandeira do Brasil, ao lado de Tremonti e Scott Phillips. O baixista coloca a bandeira esticada em frente a bateria do companheiro para que todos possam vê-la ali, pega seu instrumento e vai à sua posição. Myles é o último a entrar e chega arranhando leves acordes enquanto os companheiros se preparam para começar as músicas que marcam o final do show.
Aqui ele faz algo parecido com o que fez ao tocar Watch Over You, iniciando uma sequência de notas familiares, revelando o que vai se tornar aquilo, sem realmente tocar o início da música. Dessa vez porém Myles une o público de outra forma, fazendo os presentes repetirem as notas que ele canta enquanto toca. São notas bem calorosas que ao mesmo tempo dão o tom de despedida trazida pela primeira música do BIS, Open Your Eyes.
Essa dinâmica vai retornar mais uma vez durante a música, quando Myles joga para a plateia fazer os “ÔôÔôh” do meio da canção, sendo cantada pelos presentes com todo coração e deixando a música mais linda do que é em estúdio.
Está chegando a hora de dar “tchau” e o frontman começa um último solo de blues antes de entrar no riff principal de Rise Today. A emblemática música que foi o primeiro single de Blackbird (2007) é a escolhida para fechar a noite e, sabendo disso, todos dão o seu melhor para fazer desse um final memorável:
Myles Kennedy, Mark Tremonti, Brian Marshall , Scott Phillips e plateia.
Os músicos provaram repetidamente durante o show que são donos de uma excelência técnica ímpar, mas sem deixar de lado a ternura e o lado humano que se fazem tão presentes em suas músicas, e são completados maravilhosamente pela plateia, que realça tudo isso como se fossem um quinto integrante da banda.
Assim, como se agradecesse por todos os momentos e emoções que a banda proporcionou nesta noite, a plateia solta toda sua voz nos refrões dessa última música, enquanto a banda retribuiu tocando com toda energia que lhe restava naquela noite.
As luzes se acendem, todos se reúnem para tirar uma foto, jogam palhetas e baquetas para o público e, assim como em um sonho, você desperta e se vê de volta para seu mundo comum. Mas ele não está mais cinza como antes de entrar ali.
Como se tivéssemos passado por todas as etapas da Jornada do Herói, você se sente transformado pela experiência. Uma pessoa melhor do que entrou.
O Alter Bridge se despediu dos fãs brasileiros e seguiu com a turnê para a Argentina.
Confira mais fotos deste dia tão marcante que aconteceu no Espaço Unimed em São Paulo:
Fotos: Ricardo Matsukawa (Mercury Concerts)